Os pontos de virada do clima
À medida que o aquecimento global se intensifica, aumentam os riscos de sistemas climáticos atingirem pontos de não-retorno (tipping points), alterações que são difíceis ou até impossíveis de reverter. O alerta vem sendo feito por cientistas há anos, e o IPCC, inclusive, aponta com alta confiança que o aquecimento causará mudanças abruptas. Embora algumas consequências ainda sejam incertas, os riscos são alarmantes, pois cada ponto de não-retorno pode desencadear um “efeito dominó” em outros sistemas climáticos.
Um relatório global sobre tipping points, publicado em 2023 com o apoio de 200 pesquisadores de mais de 26 países, identificou mais de 25 pontos de não-retorno. Destes, cinco grandes sistemas já estão em risco de cruzar a inflexão no nível atual de aquecimento global: os mantos de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental, o permafrost (solo permanentemente congelado no Ártico), os recifes de coral de água quente e a circulação termohalina do Atlântico Norte (que inclui a chamada Corrente do Golfo, que leva calor à Europa).
Para explicar o “efeito dominó” de um ponto de não-retorno, tomemos como exemplo o derretimento dos mantos gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental, que armazenam a maior parte da água doce do planeta. Esse degelo pode elevar o nível global do mar em pelo menos 10 metros. A diminuição de áreas congeladas gera um feedback positivo, ou seja, uma amplificação da mudança inicial — neste caso, mais derretimento — que, por sua vez, retroalimenta o aquecimento global.
Um dos principais feedbacks é o efeito de albedo: quando a camada de gelo (área branca) diminui, a capacidade de refletir a energia solar (albedo) também diminui. Isso faz com que mais energia solar seja absorvida, aumentando a temperatura do planeta e acelerando ainda mais o derretimento.
Considerando o tamanho do planeta, sua distância do Sol e a radiação emitida, a temperatura da superfície deveria ser muito mais baixa do que a observada na realidade. Isso levou Fourier a deduzir que uma parte da radiação infravermelha (então chamada de “calor obscuro”) era retida pela atmosfera. O francês não conseguiu provar essa hipótese, mas abriu ali o caminho para a descoberta do efeito
Além disso, há evidências de que o aquecimento global antropogênico vem enfraquecendo a Circulação/Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês), que leva calor para o Atlântico Norte, sendo importante na redistribuição de energia, no transporte de nutrientes e influenciando o clima global. E isso vem acontecendo provavelmente devido ao maior aporte de água doce proveniente da precipitação, do derretimento do gelo marinho e da camada de gelo da Groenlândia, bem como por mudanças na circulação oceânica, promovendo alterações na salinidade e prejudicando a circulação termohalina. Diversas linhas de evidência mostram um enfraquecimento da AMOC desde o início ou meados do século 20 e vários estudos analisam quão próximos estamos de uma possível total parada ou colapso, ou seja, de seu ponto de inflexão.
O desmatamento e as queimadas causadas por atividades humanas, somados aos impactos das mudanças climáticas, podem levar a Amazônia ao ponto de não-retorno.
A floresta amazônica desempenha um papel essencial na regulação do clima, não apenas no Brasil, mas globalmente. O ecossistema equilibra o ciclo de chuvas, estabiliza temperaturas, absorve grandes quantidades de carbono e armazena cerca de 150 a 200 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente em forma de carbono na biomassa. Pesquisas indicam que o desmatamento e as queimadas causadas por atividades humanas, somados aos impactos das mudanças climáticas, podem levar a Amazônia ao ponto de não-retorno. Esse processo, chamado de “dieback” (morte), transformaria a floresta em uma savana empobrecida.
Há diversas projeções sobre a Amazônia. Uma projeção de 2016 indica que a morte generalizada da floresta pode ocorrer com um aquecimento de 3 a 4°C ou com cerca de 40% de desmatamento, mas interações sinérgicas incertas podem reduzir esse limite de desmatamento para 20% a 25%. Outros modelos projetam um colapso com aquecimento de 2,5°C a 6,2°C. Um estudo publicado em 2022 apontou o ponto de não-retorno em um limiar de aproximadamente 3,5°C, independentemente do desmatamento, mas provavelmente com um aumento de temperatura menor quando há desmatamento.
Embora ainda existam incertezas sobre qual aumento de temperatura pode causar a morte da floresta, já há evidências de que a Amazônia está sob crescente pressão. Um exemplo disso são as intensas queimadas, favorecidas pela seca intensificada pelas mudanças climáticas. Um estudo liderado por pesquisadores brasileiros e publicado em 2024 sugere que, até 2050, entre 10% e 47% da floresta estarão expostas a perturbações que podem rapidamente desencadear o seu colapso. A morte da Amazônia causará impactos locais, regionais e globais.