O negacionismo - Eunice
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Indústria fóssil aposta pesado na desinformação

Você possivelmente já ouviu argumentos como “o clima sempre mudou”, “há dúvidas entre os cientistas” e “o clima está mais quente, mas são causas naturais” para se referir à crise climática. Essas e outras alegações, travestidas de razoabilidade científica, vêm sendo disseminadas há décadas pela indústria dos combustíveis fósseis e seus aliados para pôr em dúvida o consenso científico sobre as causas e as consequências do aquecimento global e atrasar a ação climática. Ganharam especial impulso com a disseminação de fake news nas redes sociais na última década. Mas, muito antes dos negacionistas da vacina que assombraram a internet na pandemia, já havia os negacionistas do clima.

Segundo escrevem Naomi Oreskes e Eric Conway em seu livro “Mercadores da Dúvida” (2010), o negacionismo climático tem sua origem nos Estados Unidos nos anos 1970. Naquela época, think-tanks conservadores, ligados à indústria, tomaram emprestado o manual de relações-públicas desenvolvido pela indústria do tabaco nos anos 1950 para questionar consensos científicos sobre temas que exigiam regulação governamental sobre a indústria — caso da chuva ácida, do buraco na camada de ozônio e, mais tarde, do aquecimento global. “A dúvida é o nosso produto” era a máxima desse movimento: ao criar no público a impressão de que existe um debate legítimo entre cientistas sobre um determinado fato já amplamente demonstrado (a ligação entre cigarro e câncer, por exemplo), seria possível adiar medidas regulatórias sobre a indústria. A tática foi empregada com sucesso no caso da mudança climática, para azar de toda a humanidade.

Já no final dos anos 1970 havia amplo consenso entre os físicos de que os gases de efeito estufa emitidos por seres humanos poderiam produzir grandes alterações no clima num prazo muito curto. Alguns economistas “liberais”, porém, achavam que o melhor a fazer era não agir, já que mudar o sistema energético demandaria investimentos imediatos, e no futuro a humanidade ficaria mais rica, mais tecnologicamente avançada e poderia resolver o problema. Relatórios produzidos por alguns desses think-tanks, como o Marshall Institute, o Grupo Cato e, mais tarde, o Heartland Institute, passaram a vender em Washington as conclusões dos economistas e a minimizar o consenso científico. Organizações de lobby fóssil se aliaram aos ditos “céticos” e passaram a bancá-los. A Casa Branca obviamente preferiu ouvir a mensagem de “não se preocupe” do que “o fim do mundo está próximo”.

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No final dos anos 1980, quando Washington poderia ter começado a regular as emissões na esteira do surgimento do IPCC e dos preparativos para a Rio-92, os negacionistas conseguiram semear a dúvida no mundo político mais uma vez, culpando o Sol pelo aquecimento global (e usando para isso dados deliberadamente distorcidos).

Em 1995, às vésperas do lançamento do relatório de avaliação do IPCC que demonstrava pela primeira vez a influência humana no clima, os negacionistas iniciaram uma campanha difamatória contra o painel e seus cientistas, que foram acusados de alterar documentos técnicos em prol de uma agenda política (que eles não diziam qual era). Àquela altura já haviam conseguido apoio de países petroleiros como Arábia Saudita e Kuwait. O mesmíssimo método seria aplicado décadas depois, em 2009, às vésperas da conferência de Copenhague, para difamar pesquisadores do IPCC após um vazamento de e-mails conhecido como “Climagate”.

Oreskes e Conway argumentam que a investida negacionista conseguiu capturar a própria imprensa americana, que passou a ver a mudança climática como um tema “controverso” a exigir “dois lados” na apuração de reportagens. Com a dúvida implantada na mente do público, o Senado americano não teve pudores em aprovar em 1997, por 95 votos a zero, uma resolução para impedir o país de aderir ao Protocolo de Kyoto, acordo climático que seria negociado naquele ano.

O financiamento aos negacionistas continuou: uma investigação do Greenpeace mostrou que, apenas de 1997 a 2018, uma única família de magnatas do petróleo, os irmãos Charles e David Koch, despejou US$ 145 milhões em dezenas de think-tanks negacionistas. “Cientificamente, o aquecimento global era um fato estabelecido; politicamente, o aquecimento global estava morto”, afirmam os autores.

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Elas sabiam

Muito antes da criação do IPCC e da disseminação da noção de aquecimento global, as empresas de combustíveis fósseis já tinham evidências sólidas de que suas atividades eram capazes de alterar o clima da Terra. No entanto, ao invés de investir em alternativas para barrar as mudanças climáticas, financiaram campanhas de desinformação milionárias para dizer que o aquecimento anormal do planeta era papo furado.

Um estudo publicado em 2023 na revista científica Science mostrou que a maior associação comercial da indústria de petróleo e gás dos Estados Unidos sabia, pelo menos desde a década de 1950, que os combustíveis fósseis aqueciam a terra. Os barões do carvão tinham as mesmas informações em 1960. Na década seguinte, físicos e geocientistas de primeira linha  contratados pela francesa Total Energy e a americana Exxon, atual ExxonMobil, disseram a mesma coisa. Nos anos 1980, foi a vez dos analistas da britânico-holandesa Shell. Esses cientistas foram obrigados a manter suas descobertas sob sigilo. Foi somente em 2015 que o segredo das petroleiras veio à tona por meio de investigações jornalísticas que puseram a Exxon no banco dos réus nos EUA.

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