As mudanças climáticas naturais - Eunice
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A gangorra climática do passado

O planeta Terra tem aproximadamente 4,6 bilhões de anos e já passou por várias mudanças climáticas naturais nesse período, o que não significa que a atual também seja natural. Elas moldaram o planeta e contribuíram para extinções em massa. Para entender melhor sobre o que aconteceu no passado, voltaremos alguns milhões de anos na história e veremos o que influenciou momentos de extremo aquecimento e resfriamento.

Durante o pré-Cambriano, a superfície da Terra ficou coberta de gelo entre 800 e 600 milhões de anos atrás. No entanto, os vulcões estavam ativos, emitindo dióxido de carbono (CO2), e as chuvas eram escassas. Com o tempo seco e a intensa atividade vulcânica, o planeta foi se transformando em uma estufa devido ao excesso de CO2

Há cerca de 445 milhões de anos, a Terra voltou a congelar, o que fez com que espécies marinhas primitivas de águas rasas fossem extintas. Esta foi a primeira extinção em massa provocada por uma mudança climática — ocorreram outras quatro extinções em massa, mas com influência das altas temperaturas. 

Milhares de anos depois, o planeta aqueceu novamente em diferentes períodos. Um exemplo foi há cerca de 90 milhões de anos, no Período Cretáceo. Não havia gelo permanente em lugar algum do mundo e dinossauros vagavam por florestas luxuriantes onde hoje é a Antártida. Cientistas apontam que a intensa atividade vulcânica aumentou novamente as concentrações de CO2 na atmosfera, que eram até três vezes mais altas do que hoje em dia.

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Cerca de 56 milhões de anos atrás, ocorreu o Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno (PETM, na sigla em inglês), quando a temperatura média global pode ter aumentado entre 5°C e 8°C. Para comparar, no Acordo de Paris, foi proposto que o aumento da temperatura atual fosse limitado a 1,5°C. 

Análises paleoclimáticas, que consideram elementos como fitoplâncton fossilizado e sedimentos oceânicos, indicam que, mais ou menos na mesma época, houve outra grande liberação de CO2. Esse gás pode ter sido liberado pela secagem de grandes mares, por atividade vulcânica, por descongelamento do permafrost — solo permanentemente congelado — e por grandes incêndios florestais. Há também evidências de emissões de metano.

Em resumo, os vulcões desempenhavam um papel central nas mudanças climáticas. O excesso de CO₂ liberado pelas erupções não apenas intensificava o efeito estufa, mas também acidificava os oceanos, impactando severamente os ecossistemas.

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Durante o Plioceno, entre 3,15 e 2,84 milhões de anos atrás, quando os ancestrais dos humanos começaram a descer das árvores, houve outro período quente. É possível que esse aquecimento tenha sido influenciado pelo aumento dos níveis de gases de efeito estufa e pelo transporte de calor oceânico.

Experimentos da Nasa indicam:

houve um aumento de temperatura de até 10°C nas costas do Ártico.

Experimentos da Nasa indicam que, ao longo das costas do Ártico, houve um aumento de temperatura de até 10°C, com o maior aquecimento registrado durante o inverno. Nesse contexto, grande parte do calor foi influenciada pelo “feedback de albedo”, que é a mudança no padrão de absorção e reflexão da energia solar. A cor branca da neve e do gelo reflete parte da radiação solar de volta para o espaço. Com a redução da cobertura de neve devido ao aquecimento, menos energia solar foi refletida, especialmente durante o inverno.

No Holoceno, época geológica iniciada há cerca de 11.700 anos, houve momentos de aquecimento conhecidos como Período Quente Medieval ou Anomalia Climática Medieval, registrado no hemisfério Norte entre os anos 950 e 1250. Há indícios de que o Período Quente Medieval foi causado por um aumento na radiação solar. Além disso, acredita-se que os padrões de circulação oceânica tenham mudado, levando águas mais quentes para o Atlântico Norte.

O aquecimento atingiu diferentes regiões, mas não foi universal nem ocorreu simultaneamente em todos os lugares. As consequências também variaram. Em regiões como o norte da Europa, partes da América do Norte, Ásia central, norte da Rússia, nordeste da China e norte do Japão, o aumento das temperaturas favoreceu a expansão agrícola. Por outro lado, em algumas áreas das Américas, populações enfrentaram secas extremas.

Oscilações climáticas curtas também ocorreram no sentido oposto. Um exemplo é a Pequena Idade do Gelo, que começou por volta do século 14 e terminou em meados do século 19, na Europa, com temperaturas médias 40% mais baixas no hemisfério Norte. Nesse período, o Sol entrou numa baixa de atividade conhecida como Mínimo de Maunder, na qual as manchas solares (relacionadas a pequenas variações na radiação enviada pela estrela) praticamente sumiram. Alguns cientistas associam essa fase solar à queda das temperaturas boreais. Foi nesse intervalo que os vikings abandonaram sua colônia na Groenlândia, e também datam dessa época pinturas europeias que mostram invernos muito rigorosos em Londres e Paris.

 
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Os Ciclos de Milankovitch

 

Um dos principais fatores naturais de mudanças no clima é a posição da Terra em relação ao Sol. Foi o cientista sérvio Milutin Milankovitch (1879-1958) que chegou a essa conclusão, descobrindo variações periódicas na órbita, na orientação e na maneira como o planeta gira que mergulharam o globo em eras glaciais e períodos quentes no passado.

Nascido em uma vila rural chamada Dalj, na Áustria-Hungria — atualmente parte da Croácia —, Milankovitch iniciou a carreira como engenheiro. Ele foi responsável por diversas construções de concreto armado no Império Austro-Húngaro, tornando-se depois professor de matemática na Universidade de Belgrado, na Sérvia.

Com o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando por um terrorista sérvio em 1914, a Sérvia foi decretada inimiga do império e Milankovitch foi preso durante toda a Primeira Guerra Mundial. Naquele período iniciou suas pesquisas, fazendo cálculos à mão, sobre como as variações periódicas em três tipos de movimentos orbitais da Terra — excentricidade (quão mais ovalada ou circular é a órbita da Terra em torno do Sol, o que varia a cada 100 mil ou 400 mil anos), obliquidade (mudança da inclinação do eixo da Terra) e precessão (o “bamboleio” da Terra em torno de seu eixo, como um pião que perde velocidade) — afetam a quantidade de radiação solar que atinge o planeta. Essas variações ficaram conhecidas como Ciclos de Milankovitch.

Milankovitch concluiu que as variações na radiação solar em determinadas latitudes e estações são mais relevantes para o avanço e o recuo das geleiras do que outras. Por exemplo, quando esses ciclos fazem com que as latitudes do hemisfério norte recebam menos energia solar durante o verão, as camadas de gelo começam a se expandir. Lembra que a cor branca do gelo reflete mais energia solar de volta ao espaço? Assim, conforme as camadas congeladas aumentam, mais energia é refletida, gerando um “feedback” positivo que intensifica o resfriamento regional.

Além disso, Milankovitch considerou a obliquidade como o ciclo mais relevante, pois afeta diretamente a quantidade de insolação nas regiões de alta latitude no hemisfério Norte durante o verão. Este hemisfério é mais importante para o controle do clima porque tem mais terras emersas a serem cobertas de gelo.
Os cálculos de Milankovitch indicam que as eras do gelo ocorrem aproximadamente a cada 41 mil anos. Pesquisas posteriores confirmaram que as glaciações seguiram esse intervalo entre um e três milhões de anos atrás, na época do Pleistoceno, da era Cenozóica.

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Embora os estudos de Milankovitch tenham sido apoiados por alguns pesquisadores de sua época, sua teoria só se difundiu amplamente na comunidade científica global entre o fim da década de 1960 e 1970, após sua morte. Em 1976, por exemplo, um estudo que analisou sedimentos marinhos concluiu que os ciclos de Milankovitch correspondem a períodos de grandes mudanças climáticas nos últimos 450 mil anos.

Se as variações orbitais são tão importantes, como os cientistas sabem que elas não têm relação com o aquecimento global atual? A Nasa, a agência espacial americana, ressalta alguns pontos importantes sobre isso:

  1. Escala de tempo: Os ciclos de Milankovitch operam em escalas de tempo muito longas, entre dezenas de milhares e centenas de milhares de anos. Nos últimos 150 anos, os ciclos não alteraram significativamente a quantidade de energia solar absorvida pela Terra. Houve um pequeno aumento na radiação solar no século 20. No entanto, observações de satélite da Nasa mostram que, nos últimos 40 anos, a radiação solar diminuiu ligeiramente.
  2. Outros fatores: Os ciclos de Milankovitch não são os únicos a influenciar as mudanças climáticas. Alterações na extensão das camadas de gelo e na concentração de dióxido de carbono foram fatores cruciais nas flutuações de temperatura dos últimos milhões de anos.
  3. Influência humana: Há um alto grau de certeza de que o aumento atual na concentração de CO₂ se deve principalmente às atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis. Isso é confirmado pela “impressão digital” química do carbono emitido por esses combustíveis, identificável pelos instrumentos de medição.
  4. Gases de efeito estufa versus o Sol: Desde 1750, o aquecimento causado pelos gases de efeito estufa emitidos pela queima de combustíveis fósseis é mais de 50 vezes maior do que o leve aquecimento solar ocorrido no mesmo período.
  5. Distribuição do aquecimento: Se o aquecimento atual fosse causado pelo Sol, haveria um aumento de temperatura tanto na troposfera, a camada atmosférica próxima à superfície, quanto na estratosfera, que está logo acima. No entanto, observações de balões e satélites mostram que apenas a superfície terrestre e a troposfera estão aquecendo.
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Além disso, um estudo publicado em fevereiro de 2025 indicou que, sem a interferência humana na atmosfera, a atual estabilidade climática dada pelas variações orbitais da Terra fosse durar pelo menos mais 11 mil anos. 

 
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A era da estabilidade: o Holoceno

O final do último período glacial, há cerca de 11.700 anos, marca o início do Holoceno — o atual período da história da Terra, chamado pelos cientistas de “O Longo Verão”. A era é considerada especial porque, diferentemente das anteriores, não tem variações climáticas naturais abruptas. Foi justamente essa estabilidade que permitiu a fixação de comunidades humanas (pondo fim ao nomadismo como principal modo de vida do Homo sapiens), o desenvolvimento da agricultura e florescimento da civilização humana. O Holoceno é considerado um período relativamente quente entre eras do gelo.

O Holoceno marca também o desenvolvimento da contradição que está na base da crise do clima. Foram as condições climáticas estáveis que permitiram que a civilização humana se desenvolvesse de maneira única neste período; mas esse desenvolvimento, da forma como tem ocorrido, é o que tem destruído a estabilidade do clima. Como você verá adiante, as atividades humanas que emitem gases de efeito estufa determinaram um outro nível de interação entre organismos e o ambiente, desbalanceando a equação do clima.

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Como desvendar o clima antigo

Entender o que aconteceu com o clima há centenas, milhares ou mesmo milhões de anos é fundamental para a ciência climática do presente. Entendendo as mudanças climáticas do passado, os cientistas podem identificar suas causas, as respostas dos ecossistemas às variações e diferenciar o que foi fruto de uma variabilidade natural daquilo que foi causado por interferência das atividades humanas. Isso tem papel imprescindível na compreensão das mudanças climáticas atuais e na elaboração dos modelos climáticos, que projetam as mudanças futuras. 

Mas como calcular temperaturas, regimes de chuvas, ventos e outros indicadores de épocas tão remotas, quando não havia termômetros nem satélites (ou mesmo antes do próprio surgimento da humanidade)? Para essa tarefa, os cientistas contam com aliados: anéis de árvores, corais, pólen, cavernas e bolhas de ar presas no gelo polar, entre outros, guardam informações valiosas sobre o clima e são objeto de investigação da chamada paleoclimatologia. 

 
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Esses vestígios analisados pela paleoclimatologia são chamados de proxies. A análise das características físicas, químicas e biológicas desses registros geológicos permitem que se reconstrua condições climáticas passadas para investigação. Há ainda outro tipo de proxies, que são documentos históricos: diários de viajantes, jornais e registros de agricultores, entre outros, também são utilizados como fontes para esse tipo de levantamento. 

A análise dos anéis de árvores, por exemplo, é valiosa porque as condições climáticas influenciam diretamente o seu crescimento, registrado nesses anéis. A observação da composição química dessas formações, assim como de sua densidade e dos padrões de largura dos anéis, traz informações únicas sobre as variações climáticas passadas, ao longo dos anos de crescimento da árvore. Esses esqueletos são formados por carbonato de cálcio (um mineral extraído da água do mar), e têm sua densidade impactada pela temperatura da água, as condições de luz e os nutrientes disponíveis durante sua formação. Assim, estudando a densidade dos corais, os cientistas podem saber como essas variáveis se apresentavam em épocas passadas. 

O pólen, outro importante proxy, fica depositado nas camadas de sedimentos no fundo de lagos e traz informações sobre o tipo de planta da qual vieram. Assim, os cientistas podem conhecer os tipos de vegetação que cresciam no momento em que o sedimento foi depositado e, a partir daí, analisar o clima daquele período. Há, ainda, o estudo dos chamados testemunhos de gelo: os cientistas acessam o gelo localizado no alto de montanhas e nos polos e o perfuram. Formado a partir da queda de neve que foi transformada em gelo ao longo dos anos, ele consegue preservar essas informações que podem ser de décadas passadas a até mais de um milhão de anos atrás. Essa perfuração revela diferentes camadas do gelo que, além de preservar informações como temperatura e fonte de umidade de neves passadas, também preserva características atmosféricas nas suas bolhas de ar, como aerossóis continentais e marinhos, poeira vulcânica e até contaminantes antrópicos dispersados pelo ar. Analisando a composição química dessas amostras, os cientistas conseguem reconstruir de forma extremamente precisa as temperaturas do passado. 

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O paleotermômetro de gelo

A análise de testemunhos de gelo da Antártida permitiu aos cientistas fazer reconstruções do clima da Terra no último milhão de anos. Isso ocorreu graças a uma descoberta feita nos anos 1950: a de que a água que se deposita em forma de chuva ou neve tem composição química distinta conforme a temperatura. 

O átomo de oxigênio, como todos os outros, possui “sabores” distintos, conhecidos como isótopos. Ele pode ter 16, 17 ou 18 nêutrons em seu núcleo (16O, 17O, 18O). Quando evapora no mar, o vapor de água apresenta uma determinada proporção entre oxigênio -16 e oxigênio -18, que vai mudando conforme a temperatura diminui. O 18O, por ser mais pesado, precipita primeiro. Por isso, ao se aproximar dos polos, o vapor passa a ter uma menor proporção desse isótopo.

Aplicando esse “paleotermômetro” a amostras de gelo antártico, os cientistas conseguiram descobrir como a temperatura no continente variou de ano a ano. Examinando as bolhas de ar presas no gelo, eles conseguiram inferir o teor de gases-estufa na atmosfera em cada período.

Os resultados dessas coletas indicam que as concentrações de CO2 atuais só encontram paralelo no Plioceno, há 3 milhões de anos. No caso dos registros de temperatura, a última vez em que a Terra esteve tão quente foi há cerca de 125 mil anos.

 
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