A sociedade civil - Eunice
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O papel das organizações e da população na luta climática

Uma peça fundamental para pressionar aqueles com poder para frear o avanço das mudanças climáticas é a sociedade civil. As reivindicações relacionadas ao clima ganharam força nos anos 1990, mas já existia uma trajetória importante na área ambiental. Nos Estados Unidos, por exemplo, milhões de pessoas participaram do primeiro Dia da Terra em 22 de abril de 1970, protestando contra a poluição. Esses movimentos resultaram em importantes conquistas para o país, como a criação da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) e a aprovação de leis como a Lei Nacional de Educação Ambiental, a Lei do Ar Limpo e, dois anos depois, a Lei da Água Limpa.

No Brasil, o movimento ambiental conseguiu incluir a proteção ao meio ambiente na Constituição Federal de 1988. O país abrigou importante mobilização da sociedade civil paralela à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, realizada no Rio de Janeiro (RJ) em 1992. Denominado Fórum Global, o evento reuniu cerca de 10 mil representantes de movimentos sociais e organizações não-governamentais de vários países.

A Agenda 21, documento sobre desenvolvimento sustentável assinado na Rio-92, reforçou o papel da sociedade civil. “Um dos pré-requisitos fundamentais para alcançar o desenvolvimento sustentável é a ampla participação da opinião pública na tomada de decisões. Ademais, no contexto mais específico do meio ambiente e do desenvolvimento, surgiu a necessidade de novas formas de participação”, destaca um trecho do capítulo 23 do documento. 

Atualmente, a sociedade civil tem espaço garantido nas Conferências das Partes da Convenção do Clima (COPs) por meio do grupo de observadores. Embora não tenha poder de negociação, pode pressionar os diplomatas para que suas reivindicações sejam refletidas nos textos negociados. Em 2023, por exemplo, os países concordaram, no primeiro dia da COP28, em Dubai, em criar um fundo para financiar perdas e danos climáticos — uma demanda antiga pressionada pelos estados insulares e pela sociedade civil internacional.

    As ONGs que participam das COPs estão organizadas em grupos conhecidos como constituencies, que incluem:

  1. Bingo: ONGs empresariais e industriais;
  2. Engo: ONGs ambientalistas;
  3. Farmers: ONGs de agricultores e pecuaristas;
  4. IPO: Organizações de povos indígenas;
  5. LGMA: Governos locais;
  6. Ringo: ONGs de pesquisa;
  7. Tungo: ONGs sindicais;
  8. WGC: ONGs que defendem os direitos das mulheres e a justiça de gênero;
  9. Youngo: Rede de organizações, grupos e indivíduos que atuam pelos direitos das crianças e dos jovens.

Desde 2016, também podem participar organizações religiosas e de educação.
O papel da sociedade civil vai além das reuniões da ONU. Ela se manifesta por meio de protestos locais, produção de pesquisas e notas técnicas, ações judiciais, entre outras iniciativas

A imprensa também exerce um papel fundamental na sociedade civil. Um exemplo de destaque é o jornal britânico The Guardian, que faz grande cobertura da crise climática. Em 2019, o jornal anunciou uma mudança editorial para enfatizar a gravidade do problema. Um ano depois, decidiu não aceitar publicidade de empresas ligadas a combustíveis fósseis.

Greta e as greves

Em agosto de 2018, aos 15 anos, Greta Thunberg começou a faltar a aulas para protestar em frente ao parlamento sueco, em Estocolmo, com uma placa que dizia “greve escolar pelo clima”. Seu objetivo era chamar atenção para a inação governamental diante da crise climática.

Filha de uma cantora de ópera e de um ator e portadora da síndrome de Asperger, um transtorno do espectro autista, Greta é parente distante de Svante Arrhenius — o químico que, no século 19, fez as primeiras estimativas sobre o aumento da concentração de CO₂ na atmosfera. Ela começou a estudar sobre mudanças climáticas aos oito anos de idade. Aos 11, a conscientização sobre o tema a levou a uma depressão profunda.

No primeiro dia de greve, Greta protestou sozinha, mas logo outras pessoas começaram a se juntar a ela. O movimento, batizado de Fridays for Future (Sextas-feiras pelo Futuro), rapidamente ganhou alcance global impulsionado por postagens nas redes sociais.
Uma pesquisa realizada em 2021 pela Universidade de Viena, na Áustria, revelou que a maioria dos participantes de uma manifestação realizada em maio de 2019, em Viena, ao lado de Greta, olhava para o futuro com mais otimismo e acreditava na força do protesto como forma de mudança.

Em 20 de setembro de 2019, um ano e um mês após a primeira manifestação de Greta, cerca de 4 milhões de pessoas ao redor do mundo participaram da greve global pelo clima. Uma pesquisa de 2023, conduzida pela Universidade de Hamburgo, na Alemanha, mostrou que a estratégia do movimento Fridays for Future de realizar protestos múltiplos, descentralizados e menores ajuda a atrair mais pessoas para a causa.

Um dos influenciados por Greta é Jerome Foster II, afro-americano nascido em 2002. Entre 2019 e 2020, Foster passou mais de 50 semanas protestando às sextas-feiras em frente à Casa Branca, nos Estados Unidos. Durante a gestão do presidente Joe Biden, Foster foi convidado a integrar o conselho consultivo de justiça ambiental da Casa Branca. Ele, que também começou a se interessar pela crise climática ainda criança, busca aumentar a representatividade negra nos debates sobre clima.

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Ações judiciais sobre clima

Processos cobrando ação climática têm ganhado espaço globalmente nas últimas décadas, contribuindo tanto para decisões específicas quanto para consolidar o entendimento jurídico sobre a urgência climática. Garantias constitucionais e legislação de direitos humanos, meio ambiente e clima embasam muitas dessas ações, que frequentemente responsabilizam governos e grandes poluidores.

Um relatório de 2024, da London School of Economics (LSE), revela aumento de 70% nos litígios climáticos desde o Acordo de Paris, em 2015. Baseado no banco de dados do Centro Sabin (Universidade Columbia), o estudo identificou 2.666 casos até 2023. ONGs e pessoas lideram as ações, embora governos também apareçam como autores. “Essa tendência reflete um esforço de atores da sociedade civil, alguns dos quais podem, de outra forma, estar excluídos das decisões sobre mudanças climáticas”, destaca o documento.

O Norte Global domina em número de casos, com os Estados Unidos à frente, somando 1.745 processos. O Sul Global, embora com menor representatividade, vem avançando, com mais de 200 casos (8% do total), e o Brasil desponta como líder na região, ocupando a quarta posição global, atrás apenas de EUA, Austrália e Reino Unido.

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Nesse campo, a população mais jovem também tem se mobilizado. Em 2018, a Suprema Corte da Colômbia deu vitória a um grupo de pessoas de 7 a 26 anos que processou o governo por inação climática, exigindo a proteção dos direitos das futuras gerações. Com o apoio do climatologista James Hansen como amicus curiae, o processo liderado pela ONG Dejusticia foi o primeiro na América Latina contra um governo por questões climáticas. Uma das determinações da justiça foi a eliminação do desmatamento na Amazônia colombiana até 2020, meta que não foi cumprida.

Em 2020, 16 jovens, com idades de 5 a 22 anos, processaram o estado de Montana, nos Estados Unidos, por violar o direito a um ambiente limpo. Em 2023, a justiça determinou que o estado considerasse os impactos climáticos ao aprovar projetos de combustíveis fósseis, mas Montana recorreu em 2024.

No Brasil, seis jovens, incluindo a indígena Txai Suruí, moveram uma ação em 2021 contra a meta climática revisada do governo Bolsonaro, que aumentava as emissões previstas para 2025 e 2030, em comparação aos números de 2015. A mudança, chamada de “pedalada climática”, foi revertida em 2023 sob o governo Lula, que se comprometeu na ocasião a retomar os valores de 2015. A nova NDC brasileira foi anunciada em novembro de 2024, antes da COP29.

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No fim do governo Bolsonaro, sete ações socioambientais e climáticas no Supremo Tribunal Federal definiram os rumos de políticas públicas ao determinar a efetivação de um plano para controle do desmatamento, a retomada do Fundo Amazônia, a abertura de crédito para ações de fiscalização e a reativação do Fundo Clima, entre outras ações.

A sociedade civil processou a Shell na Holanda

A vitória foi considerada histórica, mas a decisão foi anulada em 2024.

O litígio climático também tem envolvido grandes petroleiras. Um exemplo é o caso contra a Shell. Em 2019, organizações e cidadãos processaram a empresa na Holanda. Em 2021, o Tribunal de Haia ordenou que a Shell reduzisse suas emissões em 45% até 2030. A vitória foi considerada histórica no litígio climático, pois colocou uma grande petroleira sob pressão, mas a empresa recorreu. Em novembro de 2024, a decisão foi anulada em segunda instância. Os processos contra petroleiras também aumentaram após o Acordo de Paris.
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Justiça climática para enfrentar os impactos das mudanças do clima

Quando falamos sobre mudanças do clima, as discussões também devem considerar a chamada justiça climática. O conceito vem a partir da conclusão de que aqueles que menos contribuem para o problema são os mais afetados pelos impactos causados por eventos extremos, como ondas de calor e frio, fortes chuvas e secas. Casos de grupos formados por populações pobres, trabalhadores, pessoas negras, com deficiências, indígenas, mulheres e a população LGBTQIAPN+. Ou seja: a crise do clima atinge a todos, mas de maneiras diferentes, além de agravar desigualdades.

Assim, a crise climática passa a ser entendida também como um problema social — e as soluções são vistas como parte de uma luta política coletiva. Em resumo, as reivindicações por justiça buscam equidade no enfrentamento dos impactos das mudanças climáticas.

Desde os anos 1990, movimentos sociais — principalmente de indígenas e populações negras — incorporaram a justiça climática em suas demandas. A Rio-92 marcou a primeira sinalização institucional do tema, com a UNFCCC reconhecendo as “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. 

Jovens lideranças também têm se destacado na luta por justiça climática, como a ugandense Vanessa Nakate. Nascida em 1996, ela começou a se engajar em 2018, após pesquisar sobre os desafios climáticos em Uganda. Em 2019, Nakate iniciou protestos para chamar atenção para a emergência climática e a destruição da floresta do Congo, a maior floresta tropical da África.

Crise climática agrava desigualdades sociais

O papel das mudanças climáticas na piora das desigualdades é apontado por pesquisas acadêmicas. Um artigo de revisão publicado em 2024 classifica o agravamento das desigualdades como um efeito terciário da crise climática, resultante das mudanças em padrões de tempo e clima (efeito primário) e nos ecossistemas (efeito secundário), além de ser o resultado de respostas sociopolíticas, econômicas e culturais.

Outro estudo de 2024 projeta que, até 2100, os impactos climáticos poderão aumentar a desigualdade econômica em 1,4 pontos no índice de Gini — um indicador socioeconômico. Os pesquisadores destacam que limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C pode reduzir o crescimento das desigualdades econômicas em dois terços a longo prazo, embora cause um leve aumento no curto prazo. Políticas bem planejadas podem ajudar a estabilizar o clima e promover a inclusão econômica.

Uma revisão de literatura publicada em 2024, que analisou 127 estudos sobre mudanças climáticas e desigualdades, constatou que 78% deles concluíram que a crise climática amplia as desigualdades, afetando desproporcionalmente as populações mais pobres, tanto globalmente quanto dentro dos países de todos os continentes.

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