A geoengenharia - Eunice
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O risco da demora e de criar mais problemas

A geoengenharia — também chamada de engenharia climática ou intervenção climática — tem sido estudada desde os anos 1970 com o objetivo de modificar o sistema climático em escala global ou regional para minimizar os impactos causados pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. No entanto, algumas técnicas são controversas entre os cientistas devido aos riscos envolvidos, como no caso da interferência na radiação solar.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divide a geoengenharia em duas categorias principais: remoção de dióxido de carbono (CDR, na sigla em inglês) e modificação da radiação solar (SRM, na sigla em inglês). Além dessas, há outras abordagens em estudo, como a conservação do manto de gelo por meio de uma barreira subaquática e a restauração do gelo marinho e do permafrost. Essas técnicas são para retardar o derretimento das calotas polares, que ajudam a manter o planeta mais frio ao refletirem a luz solar, e do permafrost, solo permanentemente congelado que armazena grandes quantidades de carbono e pode liberar CO₂ e metano ao descongelar.

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Segundo a União Geofísica Americana (AGU, na sigla em inglês), as técnicas de remoção de carbono da atmosfera estão entre as mais desenvolvidas. No entanto, especialistas apontam que mesmo os métodos considerados mais eficazes podem levar décadas para remover parcial ou totalmente as emissões de CO₂ geradas pela atividade humana, além de terem custos elevados.

Já a modificação da radiação solar (SRM), também chamada de geoengenharia solar, ainda não dispõe de tecnologia pronta para implementação e pode trazer impactos negativos, como alterações nos padrões de chuva em algumas regiões. De acordo com a AGU, tanto as técnicas de CDR quanto as de SRM, assim como outras formas de geoengenharia, apresentam tanto oportunidades quanto riscos. Por isso, requerem regulamentação e governança em níveis local, regional e global.

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A seguir, as principais categorias.

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Remoção de dióxido de carbono (CDR)

A CDR engloba métodos que removem CO₂ da atmosfera e o armazenam de forma durável em reservatórios geológicos, terrestres ou oceânicos, ou ainda em produtos. Segundo o IPCC, a remoção de carbono será necessária para atingir emissões líquidas zero, compensando emissões difíceis de eliminar. No entanto, o relatório destaca que a redução direta das emissões pode ser alcançada mais rapidamente, enquanto a CDR exige um alto investimento inicial e tempo para gerar impacto. Entre os principais métodos de remoção de CO₂ estão:

Soluções baseadas na natureza:

  1. Reflorestamento e florestamento: plantio de árvores, inclusive em áreas onde nunca houve cobertura florestal.
  2. Proteção e manejo sustentável de florestas (lembre-se que as árvores absorvem CO₂ durante o processo de fotossíntese). 
  3. Agricultura regenerativa: manutenção do carbono no solo por meio de técnicas como plantio direto e cobertura com palhada.

Técnicas industriais e químicas:

  1. Biochar: aquecimento de biomassa em ambiente com pouco oxigênio para transformá-la em carvão vegetal, usado na agricultura e no tratamento de água. Esse processo impede a liberação de CO₂ pela decomposição da biomassa.
  2. Bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, em inglês): captura e armazenamento do CO₂ durante a queima da biomassa.
  3. Captura direta de carbono do ar com armazenamento (DACCS, em inglês): uso de máquinas para filtrar o CO₂ diretamente da atmosfera e armazená-lo em reservatórios geológicos ou usá-lo em produtos industriais. Apesar de estar em crescimento, a tecnologia ainda enfrenta desafios de custo e escala. 
  4. Intemperismo acelerado de rochas: técnica para aumentar a absorção de CO₂ pelas rochas.

CCS E CCU são técnicas de geoengenharia?

Para o IPCC, a captura e o armazenamento de carbono (CCS, em inglês) e a captura e utilização de carbono (CCU, em inglês) não são consideradas técnicas de remoção quando aplicadas ao CO₂ de origem fóssil. “O CCS e o CCU só podem ser classificados como métodos de CDR se o CO₂ for biogênico ou capturado diretamente do ar e armazenado de forma durável em reservatórios geológicos ou produtos”, aponta o Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC.

Empresas de petróleo e gás têm investido nessas tecnologias, mas elas só ajudam a reduzir as emissões diretas das operações (escopo 1, como a produção e o refino do petróleo) e indiretas (escopo 2, como consumo de energia nas atividades). No entanto, cerca de 80% das emissões do setor vêm do uso dos combustíveis fósseis. Isso significa que, mesmo que as emissões operacionais (escopos 1 e 2) sejam eliminadas, o impacto climático continuará intenso se o consumo de petróleo, gás e carvão não for reduzido.

Soluções oceânicas:

  1. Restauração de turfeiras e zonas úmidas: reservatórios naturais de carbono.
  2. Gestão do carbono azul: conservação e restauração de ecossistemas costeiros, como manguezais e pradarias marinhas, que capturam e armazenam grandes quantidades de carbono.
  3. Aumento da alcalinidade dos oceanos: processo para neutralizar a acidificação e elevar a capacidade de absorção de CO₂.
  4. Fertilização dos oceanos: estímulo ao crescimento de fitoplâncton (microalgas) para promover a absorção de carbono por meio da fotossíntese.
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Geoengenharia solar

A modificação da radiação solar (SRM, na sigla em inglês), também chamada de geoengenharia solar, tem como objetivo reduzir a quantidade de radiação solar absorvida pela Terra para amenizar o aquecimento global causado por atividades humanas. No entanto, ainda são necessários avanços nas pesquisas e no desenvolvimento tecnológico para viabilizar sua aplicação.

Segundo a União Geofísica Americana (AGU), os métodos de geoengenharia solar mais pesquisados atualmente são:

  1. Injeção de aerossóis estratosféricos (SAI, na sigla em inglês): liberação de partículas de sulfato na estratosfera para refletir parte da luz solar e reduzir o aquecimento global.
  2. Clareamento de nuvens marinhas: pulverização de gotículas de água salgada na atmosfera para aumentar a refletividade das nuvens oceânicas e diminuir a absorção de calor.
    Outras técnicas em estudo incluem:
  1. Aumento do albedo terrestre: alteração da superfície terrestre, como clareamento de telhados para que mais radiação solar volte ao espaço.
  2. Modificação do albedo oceânico: aplicação de espuma ou bolhas na superfície do mar para aumentar a capacidade de refletir a luz solar. Redução da cobertura de cirros: dispersão dessas nuvens de alta altitude, que aprisionam calor na atmosfera, para diminuir o impacto delas no efeito estufa.
  3. Guarda-sóis e refletores espaciais: instalação de estruturas no espaço para bloquear ou desviar parte da radiação solar antes que atinja a Terra.

Há hipóteses de que a geoengenharia solar poderia resfriar o planeta, mas o IPCC alerta, no Sexto Relatório de Avaliação, que há um amplo consenso científico de que o SRM pode ser, no máximo, um complemento na estratégia contra as mudanças climáticas. “O SRM contrasta com as atividades de mitigação das mudanças climáticas, como redução de emissões e CDR [remoção de carbono], pois atua como uma ‘máscara’ para o problema, alterando o balanço de radiação da Terra em vez de enfrentar a causa raiz, que é o aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera”, afirma o IPCC.

Outro desafio é a necessidade de manutenção contínua dessas técnicas. Por exemplo, os aerossóis injetados na estratosfera têm vida útil de um a três anos, exigindo reaplicação frequente. No caso do clareamento de nuvens marinhas, os aerossóis de sal marinho permanecem na atmosfera por apenas cerca de 10 dias. Por outro lado, o dióxido de carbono emitido pelas atividades humanas pode permanecer na atmosfera por milhares de anos, o que torna a geoengenharia solar uma solução temporária e arriscada.

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Além das limitações tecnológicas, a geoengenharia solar traz riscos significativos. O climatologista Alan Robock, que pesquisa sobre mudanças climáticas desde os anos 1970, publicou um artigo que identifica seis benefícios e 28 riscos associados à implementação dessas técnicas. Os impactos negativos foram divididos em seis áreas, incluindo exemplos como:

  1. Sistema climático, biológico e físico: mudanças nos padrões de chuva, risco de secas em algumas regiões e aumento da chuva ácida.
  2. Saúde humana: possível elevação nos casos de queimaduras solares devido à alteração da camada de ozônio.
  3. Estética: modificação da aparência do céu, tornando-o esbranquiçado.
  4. Riscos desconhecidos: consequências imprevistas devido a erros humanos durante a implementação.
  5. Governança: conflitos entre países e possível controle comercial da tecnologia.
  6. Ética: uso militar da geoengenharia solar.

O próprio IPCC também alerta para os riscos. Por exemplo, o uso de aerossóis de sulfato para modificar a radiação solar pode comprometer a camada de ozônio, elevando o risco de câncer de pele. Além disso, a governança global dessas tecnologias já enfrenta desafios, mesmo na fase de pesquisa.

Em 2021, o Conselho de Saami (povo indígena do norte da Europa) e organizações ambientais suecas pressionaram a Universidade Harvard para suspender um experimento que testaria a injeção de aerossóis estratosféricos em Kiruna, na Suécia. O grupo alegou que a comunidade Saami e a sociedade sueca não haviam sido consultadas e que havia preocupações com os impactos ambientais e políticos da pesquisa.

Em 2024, durante a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, realizada em Nairóbi, no Quênia, os países não chegaram a um consenso sobre a regulação internacional da geoengenharia solar, refletindo os desafios políticos e éticos relacionados ao tema.

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