A agropecuária
O boi e a monocultura como vetores de poluição climática
Não é apenas embaixo da terra (onde estão – e precisam ficar – os fósseis) que se encontram as fontes do desequilíbrio climático global. Na superfície, os padrões de uso e ocupação territorial também desempenham papel decisivo nessa direção, tendo a agropecuária um lugar cativo entre os principais emissores de gases de efeitos estufa.
Estudos indicam que, quando considerado em conjunto com as chamadas mudanças no uso da terra (como desmatamento e queimadas), o segmento responde por cerca de 20% das emissões globais — no Brasil, esse percentual fica acima de 70%.
Isso ocorre porque os sistemas de produção baseados em monoculturas extensivas e na abertura de pastagens para alimentar rebanhos têm seu modelo econômico fortemente amparado na abertura de novas áreas e no uso de queimadas como ferramenta de manejo.
Essas atividades são emissoras de grandes quantidades de CO2, principalmente, mas também de outros gases de efeito estufa, como o metano. Além disso, com a pecuária em larga escala, aumentam muito as emissões derivadas da fermentação entérica do rebanho bovino (o chamado “arroto” do boi).
O Brasil encabeça a lista de desmatadores de florestas primárias nos trópicos
Segundo levantamento anual da Global Forest Watch, 3,7 milhões de hectares de florestas tropicais foram derrubados no mundo em 2023, área quase do tamanho da Suíça e que equivale à destruição de 10 campos de futebol por minuto. O Brasil encabeça a lista de desmatadores, calculada em hectares derrubados, respondendo por 30% de toda a perda de florestas primárias nos trópicos, apesar da redução de 36% na derrubada em relação ao ano anterior.
Na sequência, vêm República Democrática do Congo, Bolívia, Indonésia e Peru. As altas taxas de supressão florestal globais seguem em um ritmo que levará ao não cumprimento da meta adotada na COP26, em Glasgow, que prevê zerar e reverter a perda de florestas até 2030.
Na República Democrática do Congo, a perda de floresta (o país tem segunda maior floresta tropical do mundo, que se mantém como o maior sumidouro de carbono do planeta) é motivada principalmente pela agricultura itinerante — a derrubada é seguida de queimadas e “limpeza” da terra para culturas de curto prazo — e pela produção de carvão vegetal, a principal fonte de energia do país. Na Bolívia, a perda de floresta se deu majoritariamente por queimadas, a maioria delas induzida por humanos para implantação agrícola.
Já na Indonésia, as perdas florestais mais significativas foram induzidas pela abertura de plantações extensivas da indústria do papel e celulose, além de derrubadas em menor escala para expansão agrícola. No Peru, quinto do ranking, a agropecuária extensiva também aparece entre as principais causas da perda florestal.
Mas não são apenas os efeitos diretos desse modus operandi que deveriam causar preocupação. Em 2024, um artigo de revisão publicado na revista Science sintetizou o resultado de dezenas de estudos em uma conclusão bizarra: ao impulsionar as mudanças climáticas, a agricultura e a pecuária ajudam a construir um cenário no qual seus próprios impactos são intensificados.
As mudanças climáticas trarão tempos difíceis para o segmento agrícola, com redução da produtividade, secas e cheias fora do normal, aumento da erosão e da perda de nutrientes do solo e menos eficácia de agrotóxicos, além da expansão do alcance e resistência de pragas que atacam as lavouras.
Sem uma mudança para sistemas mais sustentáveis e resilientes de produção de alimentos, o resultado será uma adaptação na direção contrária à desejada, que deverá incluir ainda mais desmatamento e poluição química, além do uso cada vez mais intensivo de água via irrigação, entre outros componentes.
Submetidos ao aquecimento global (+1,5°C), os campos de produção de arroz passarão a emitir 23% a mais de metano na atmosfera, por exemplo. Aumentará, ainda, a poluição por amônia (NH3) e óxidos de nitrogênio a partir de fertilizantes e de metano pela gestão de esterco.
Especialistas apontam que a superação desse cenário depende da adoção de outro modelo de produção agropecuária. A agricultura familiar, com suas práticas tradicionais de cultivo e manejo do solo, precisa ser parte dessa solução, impulsionando a adoção de um modelo de baixo carbono e matriz agroecológica e com integração entre lavoura, floresta e pecuária.
Há ainda a necessidade de investimentos globais em pesquisa e adaptação para baratear, democratizar e universalizar práticas agrícolas sustentáveis, superando barreiras socioeconômicas e as diferenças regionais.